E o embrião de Brasília surgiu num 7 de setembro

Estamos chegando de novo na “grande festa cívica brasileira”: o sete de setembro. Ultimamente essa data tem sido alvo de controvérsias e disputas (muitos chamam de simbólicas, e isso faz sentido em certa medida). Essa é uma data que marcou não só por conta da independência em 1822, mas por outros eventos que tiveram no 7 de setembro a data escolhida – em geral como uma comemoração desse “evento fundador” da “nação”. Um deles, que ocorreu cem anos depois, por que ele ter dado certo praticamente foi esquecido. Sua conexão é direta com o que pôde ser visto 37 anos depois.

Pode parecer exagerado, mais Brasília, a “Capital da Esperança” como se dizia na época na sua inauguração, tem lá suas ligações com um sete de setembro bem especial.

Para começar, quando falamos de pedra fundamental, normalmente estamos falando de uma primeira ação num canteiro de obras, justamente para marcar esse começo e celebrar esse processo. E como todo mundo sabe (será?) Brasília é construída na década de 1950, mas a ideia tem origens muito remotas. O plano de fazer uma nova cidade e transferir a capital do Brasil para o interior é quase tão antigo quanto a própria presença portuguesa por aqui. Isso foi efetivado algumas vezes no “Estado do Brasil” e no “Estado do Grão Pará” coloniais (Cabe apontar que a ideia que a “colônia brasil” como sendo sempre foi uma só não é correta, mesmo que quase não se aponte isso no centro-sul do país. Mas isso é uma conversa para outro momento). Já durante o império até se falou sobre isso, porém nada de fato se fez para tirar a corte do Rio de Janeiro. Foi só com a República começamos a ter algum movimento.

A constituição republicana de 1891 determinou a escolha do local para a nova capital federal, e que ela deveria ser no Planalto Central do país. No ano seguinte partiu do Rio de Janeiro a chamada Missão Cruls, que tinha esse dever. Se você pegar mapas feitos depois dessa missão, vai encontrar a marcação do retângulo onde se desejava instalar a futura capital.

Detalhe Mapa Brasileiro produzido na França nos anos 1920
Detalhe Mapa Brasileiro produzido na França nos anos 1920 mostrando o Retângulo Cruls

Porém existiam mais forças contra que a favor da mudança, e a proposta não teve mais movimento depois dessa demarcação. Havia muitas criticas à ideia de mudar a capital e a maior parte delas por conta da distância e do isolamento da região em relação a parte ocupada pela população (de fato, a massa da ocupação do território brasileiro não estava muito além d litoral, mesmo se considerarmos Belo Horizonte, fundada só no final do século dezenove)

Quase trinta anos depois da visita de Cruls e sua equipe ao sertão de Goias, o governo federal e diversos setores políticos e intelectuais decidiram comemorar os cem anos da independência. Era um período de exposições universais pelo mundo e, para um país ser “moderno”, precisava se criar marcos e expor suas conquistas técnicas (mesmo que compradas dos países centrais ao custo da exploração do país e e seu povo por valores exorbitantes) para dar prova de seu sucesso. Então, decidiu-se no começo do ano, entre outras coisas – como a exposição nacional que teve lugar no Rio de Janeiro – que se deveria erguer um marco na área da futura cidade-capital.

Segundo alguns apaixonados por Brasília (e aficionados por conspirações), parece que na cabeça de muitos daquela época um possível fracasso na construção desse marco poderia “colocar uma pedra sobre” a ideia da transferência da capital para o centro geográfico do país. Pode ser hiperbólico, mas seja como for, mesmo decidido no começo do ano que se executaria a obra, só foi avisado para o encarregado de sua execução sua tarefa apenas dez dias antes do prazo final (enroscos de uma burocracia monumental? Quem sabe?). Essa pessoa era um engenheiro que estava no cargo de diretor da Estrada de Ferro Goiás, que tinha escritórios em… Araguari, Minas Gerais (os escritórios administrativos da ferrovia só iriam para Goiás já no meio do século XX, depois de muita briga política). Para completar o “cenário” devemos considerar que a placa que marcaria o monumento a ser erguido no planalto central tinha sido encomendada um dia antes em São Paulo e viria de trem (o que demoraria uns dias). O ponto final da ferrovia (isso sim ficava em território goiano, em Ipameri) estava a trezentos quilômetros do retângulo Cruls e as estradas eram quase tão somente picadas por onde os tropeiros passavam.

Baulduíno e sua equipe para atender o decreto presidencial

A epopeia foi grande: alugaram todos os carros que estavam disponíveis em Araguari e ainda mais alguns nas redondezas de Ipameri (cinco calhambeques e seis caminhões) para levar os materiais, equipamentos e pessoal para perto de Planaltina (conhecida na época como Mestre D’armas).

Depois de quatro dias de estrada entre Ipameri e a antiga Mestre D’Armas, era preciso organizar tudo para construir o marco. O engenheiro Balduíno de Almeida, diretor da estrada de ferro Goias, foi até o lugar recomendados para a construção da cidade pelos engenheiros da missão no relatório final para definir o lugar ideal da “pedra fundamental”, mas constatou que ele era longe demais da sua base de apoio para a construção, a mais de 40 quilômetros dele. Além disso,até o dia 4 de setembro (olha o prazo!!) os caminhões com os materiais da obra ainda não tinham chegado em Planaltina, foi preciso simplificar o processo.

O marco foi colocando no retângulo Cruls, mas não nos pontos pensados para a construção da cidade (próximo ao Paranoá), por conta da dificuldade de acesso. Ele localizou algumas elevações nas redondezas de Mestre D’armas, nomeou como “Serra da Independência”, escolheu dois morros, batizando-os como “Centenário” e “Sete de Setembro” e escolheu um deles, com um pequeno platô, para a construção do marco. Depois de um dia e meio de preparação e obra, conforme definido no decreto <>, ao meio dia do dia 7 de setembro de 1922, o marco foi inaugurado. O presidente da República nem perto chegou daquele lugar no meio do cerrado goiano (até por que naquele dia ele estava no Rio de Janeiro, participando de outro nascimento: o do rádio). Ele foi representando por Balduíno. A cerimônia tinha também uma banda de musica de Planaltina, alguns populares, um jornalista vindo do Rio, representando toda a imprensa, e um deputado que fazia o papel de representante-coletivo (ele estava ali em nome do presidente do estado de Goiás, que nem deu o ar da graça na inauguração, do senado e da câmara estadual). Cortaram a fita, fizeram alguns discursos. Cumpriram a missão.

Detalhe do jornal “A Noite”, que acompanhou o lançamento da pedra fundamental de Brasília

Não seria o marco que colocaria uma pedra sobre o projeto, pelo contrário, provava que ele era possível, mais por vontade de pessoas comuns e até anônimas bastante motivadas do que por força das estruturas políticas da época. Assim Brasília tinha sua pedra fundamental. 34 anos antes de qualquer trator começar a fazê-la de fato.

SH010 – Músicas pra discutir e mudar Sincronia Histórica

O debate sobre Brasília mobilizou muitas cabeças no país. E algumas fizeram mais que discursos e textos de editoriais. O debate foi para as rodas de conversa e de música de norte a sul, nas ondas do rádio e em discos de 78 rotações

Referências

A pedra fundamental – reportagem memorial

Mapa do Brasil nos anos 1920

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Brasília Secreta: Pedra Fundamental

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