Um [primeiro] cabide de ideias. Não leia se quiser ficar na mesma…

Não tenho feito muitos comentários públicos (nas redes sociais) sobre politica. Em geral, quem está próximo de mim sabe [ou pelo menos tem suposições consistentes] sobre meus posicionamentos políticos e meu pensamento nesse assunto (sou menos fácil de entender do que pareço). O tempo de escrita e de construção de opinião de um historiador é diferente (ou menos deveria sê-lo) da velocidade instantânea do noticiário da web. Pois exercitamos um olhar que busca elementos indiciáticos sobre os discursos e os fazeres dos indivíduos, buscando as fissuras nas suas palavras e tentando ouvir o contraditório, para romper com as bolhas de conforto e os os lugares comuns.

Mas, ultimamente, essa tem sido uma tarefa mais difícil do que de costume. Não por conta de toda essa confusa situação política e econômica que estamos vivendo no país, nem pela materialização de um sem numero de temores e desilusões que acabamos tendo a medida que aprofundamos nossas leituras.
A internet possibilitou – e essa é a grande novidade dos movimentos de rua desde 2013 no Brasil – que cada um pudesse ser broadcast de seu pensamento. Amplificou-se o discurso de botequim, midiatizou-se a conversa de ponto de ônibus e viralizou-se a elaboração conceitual simples do papo de fim de tarde. Desse modo, todos tem uma opinião – embasada em todo tipo de alicerce possível – que deseja ansiosamente divulgar. Assim, temos opiniões para todos os paladares mas, e esse é o ponto ruim disso tudo, tal fauna de discursos não aceita, por vezes, contestação ou mesmo a exigência salutar de aprofundamento. Os termos “por que eu acho que é assim” e “eu ví num vídeo de fulano na net” (especialmente se esse fulano tiver uma fala contundente, ou engraçadinha, ou ainda virulenta contra aquilo que o indivíduo já aceita que é errado e que, portanto, coaduna com os conceitos consolidados do “âncora do Jornal Pessoal”) constituem para alguns argumentos terminativos para qualquer discussão.
Cabe lembrar que nenhum historiador é neutro. Toda sua elaboração deriva de um “lugar de fala” e carrega no seu bojo suas crenças e seus olhares. Mas nenhum historiador deve ignorar certos rigores ao elaborar seu texto, sua fala ou sua opinião: na sua expressão, ele deve ser honesto com o outro, apontando não só para o louvável da sua crença mas também para o que é falho e reprovável, assim como fazer o mesmo diante de crenças distintas (não opostas, pois comportaria um maniqueísmo bobo e estéril), e nisso fazer valer sua percepção e sua busca que apontar conexões, sentidos e posicionamentos a favor daquilo que lhe seja caro. Isso não é ficar em cima do muro, mas ser intelectualmente honesto e oferecer ao interlocutor instrumentos para que, através da sua curiosidade, construa um discurso coerente e embasado em dados e conceitos bem elaborados. E nesse ponto me assumo anarquicamente democrata.
A situação política brasileira atual merece um olhar bastante cuidadoso
. Sair por aí apontando o dedo para “coxinhas” ou “petralhas”, atribuindo-lhes todos os males do mundo, da economia em frangalhos à pérfida estrutura política que favorece um governo de compadrio e uma oposição de conveniente raivosidade seletiva, do desmazelo com a educação e a saúde pública ao incomodo de um cachorro latindo durante a madrugada faz sentido para o opinador comum, que faz uma colagem “como é visto” de jornais e noticiosos, não aprofundando as motivações daquelas exposições nem cotejando-as com questões mais estruturais.
Aqueles que tentam fazer tal reflexão, buscando traçar as ideias e conceitos que, de forma menos visível, conectam e fundamentam as intenções presentes em cada divulgação de grampo, discurso empolado de político, posicionamento público de intelectuais e celebridade contra ou em defesa do governo, acabam sendo apontados como meros apoiadores de um dos lados.
Tal simplificação parece aflorar algo que podemos chamar “anti-intelectualismo”. Tal aversão à reflexão detida dos fatos se mostra muito forte nos EUA (especialmente em grupos mais conservadores) e, como diversas outras práticas americanas, parece estar sendo adotada com certa sofreguidão e exaltação pelos [alguns] brasileiros.
São muitas as questões que estão presentes no atual cenário (que também poderíamos chamar de griteiro ou pregão) político. Questões que estão para além do mero jogo político. Problemas que suplantam o rótulo conveniente de “combate à corrupção”. São questões de imagem, estética, ideologia e conveniência. São reflexões que devem apontar para novas soluções, se realmente queremos novos avanços.
As soluções oferecidas pelos velhos porta-vozes das velhas ideias, hoje em belas vestes atualizadas, parecendo discursos novos, mas no fundo das aparências são apenas mais do mesmo, desaguarão no mesmo velho e bolorento sistema já bem conhecido, mas nunca falado abertamente: estrangulamento dos pequenos, ilusão de possibilidade para os médios e garantia de crescimento para os que já são grandes.
Mesmo a dita “luta contra a corrupção” aparece como um mero argumento de retórica quando observamos aqueles que se dizem seus apoiadores. Eles são denunciados por tantos crimes de corrupção (em seus mais diversos tipos) que só podemos imaginar que fazem tal defesa para livrarem a si próprios dessa luta. Na verdade o “combate” no qual eles se engajam passa pelo direcionamento das ações de investigação, pois pauta sua dinâmica a luta por desconstruir a imagem de um grupo visto como inimigo, forma incontestável, enquanto o outro, convenientemente, é resguardado. Talvez seja necessário que um ou dois “bodes expiatórios” menores sejam sacrificados para o deus “opinião pública” se convença de que o dito grupo está empenhado no “bom combate”.
Um texto sobre o “cenário Brasil” não pode ser feito no afogadilho, entre um meme engraçadinho e uma postagem sobre a sua bebida preferida no clube, na velocidade da rede social. Demanda tempo, reflexão e pesquisa.
Os ganchos ou lacunas que deixei são cabides para novas reflexões, onde pretendo pendurar novas ideias…
As opiniões são meros portais para tais aprofundamentos. O problema é que muitos desses portais dão para muros intransponíveis…

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