Falsos protagonismos e o trabalho do pintor da ponte de Londres

Quando nós observamos o noticiário internacional divulgado no Brasil, especialmente o político, observamos um esforço para fazer com ele seja compreensível para uma maior parcela de leitores. Mas esse movimento acaba dando uma falsa percepção de protagonismo. E isso acaba escamoteando movimentos e ideias importantes que possibilitam compreender certos processos em profundidade.

No Chile, as eleições opuseram um jovem esquerdista de 35 anos contra o “Bolsonaro chileno”. Na França, o atual protagonista das próximas eleições presidenciais (que pelas pesquisas divulgadas até o momento está em quarta posição na preferência do eleitorado, empatado com políticos tradicionais da direita e a frente de alguns da esquerda) é um polemista com traços “bolsonarianos”. Em Portugal, tem aparecido com certo destaque, certa liderança que é denominada nos jornais brasileiros também como uma versão lusa do atual mandatário brasileiro. Escolha um país onde a eleição se passe na janela de 2019 e 2022 e terá algum personagem recebendo a alcunha de “B. Local” pelos periódicos brasileiros.

Comparar todo político do mundo de uma certa tendência pode facilitar a compreensão, mas esconde o mais importante

Esse processo busca, ao meu ver, facilitar as coisas para os leitores. O político português e o chileno, assim como o polemista francês teriam características ideológicas e atitudinais semelhantes ao presidente brasileiro, podendo ser reduzidos a “cópias” deste. Mas isso é bastante distante da realidade, posto essa comparação acaba escondendo um movimento calcado em ideias que estão dispersas em cada lugar e que articulam-se de modo muito especifico com as realidade locais.

Podemos dizer que todos esses políticos se vinculam a um movimento que congrega um conservadorismo cultural radical a uma organização econômica que, mascarada de desregulamentação, busca beneficiar determinados grupos próximos aos governantes e a um dirigismo social que se esconde sob a ideia de liberdade para sufocar grupos não hegemônicos.

Esse “quadro” de características não foi criado agora, nem por Bolsonaro, nem por Zemor (o polemista francês), nem por Trump (o “padrão-ouro” dessa cepa de políticos que vemos no momento). Mal colocado eles se encaixam no que chamavamos de “neo-liberalismo” nos anos 1980-1990, mas acabaram adicionando – ou reavivando – características de outros tempos.

Mas qual o sentido de identificar o movimento de fundo ao qual todos esses políticos podem ser associados? A resposta curta (a moda do lobo do conto de fadas) seria para entendê-los melhor. Mas é mais do que isso: Entender essa associação ajudar a despersonalizar as criticas, compreender suas articulações transnacionais e perceber que não será apenas com a derrota eleitoral de um candidato – ou partido, ou movimento – que tais questões serão solucionadas, pois esses políticos são “caixas de ressonância” de ideias que estão presentes em muitas cabeças, mesmo que não sejam congregadas em um todo harmônico e organizado. Em parte é essa característica (a capacidade de representar ao menos uma parte daquilo que as pessoas pensam) que possibilita que tais políticos consigam se manter significantes para certos grupos que, mesmo que não concordem no todo do discurso, veem respostas para algum temor seu – real ou imaginado.

Desmontar esses personagens acaba sendo um trabalho de “pintor da ponte de Londres” (nunca acaba), pois sempre surgem novas polemicas a indignar o público. Invariavelmente esses personagens se pautam no barulho que pode ser feito por questões polemicas, como a perda das tradições, o enfraquecimento da nacionalidade e das possibilidades de trabalho. Mas quando movemos a discussão para os conceitos sobre os quais eles se assentam, mesmo que seja um processo longo e lento, ele acaba sendo mais efetivo e permanente, já que foca no sentido e não na pessoa do momento e por isso tocam as pessoas naquilo que as preocupa em particular, esvaziando o “pregão” que as polêmicas momentâneas podem capitanear. Mas esse é um trabalho cotidiano e de longa duração. E é na longa duração que se mudam as estruturas da sociedade.

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