Palavras e intenções: o que se diz significa mais do que se quer dizer?

Tudo na vida tem uma história. Compreender ou registrar essas mudanças na passagem do tempo é uma das tarefas de muitas áreas da ciência. Outra tarefa de pesquisadores é conseguir conectar tais conceitos e suas mudanças com outros conceitos também mutáveis de modo a ajudar quem tem contato com eles entender como essa relação interfere no cotidiano.

Alguns brasileiros – por motivos diversos – tem mostrado uma paixão renovada pela origem das palavras e correção de seu usos, muitas vezes por serem tidas como ofensivas. Se isso ajuda a entender as tensões e relações sociais durante o tempo, quando feita de um modo displicente – ou mal-intencionado – pode gerar o que Raphael Tsavkko Garcia muito bem definiu como etimologia freestyle, ou um processo de criar sentidos aleatórios para palavras que justificaria uma ação (geralmente pública) contra seus falantes no sentido de “purificar” o idioma (quem leu “1984” sabe de um exemplo da função de uma ação “novalíngua”).

Alguns brasileiros tem mostrado uma paixão renovada pela origem das palavras (…) Se isso ajuda a entender as tensões e relações sociais durante o tempo, quando feita de um modo displicente – ou mal-intencionado – pode gerar o que Raphael Tsavkko Garcia muito bem definiu como etimologia freestyle.

Evidentemente, entender isso também não deve empurrar uma língua para o congelamento e o imobilismo, já que a língua é viva e muda cotidianamente. É seu uso que define que um termo é positivo ou negativo e mesmo isso pode mudar com o uso, sendo resignificado e adaptado pelos falantes. Exemplo rápido é o uso da palavra rapariga e do termo fazer um bico em Portugal e no interior do Brasil (em tempo: rapariga é apenas garota em Portugal, enquanto no Brasil é prostituta ou mulher de conduta reprovável. Já bico tem vários sentidos e fazer um bico no Brasil é fazer um trabalho episódico e precário enquanto em Portugal é a pratica de sexo oral no homem).

Mas ainda sim entender a origem de certas palavras – ou frases – tem valor para entender as sociedades e suas relações. Bobo é uma delas. Em português ela é uma palavra antiga, vinda do latim balbum (apesar de nem todo dicionário cravar essa origem), e tem sentido de bufão, palhaço ou alguém “sem noção”, ingênuo ou inocente. Em inglês, ela é bem recente (por volta do ano 2000-2010) e comporta em si um conceito mais elaborado, já que é uma contração de bourgoise bohéme, ou burguês boêmio. Esse personagem acaba tendo toda uma caracterização que foi definida pelo seu criador, David Brooks, da seguinte forma: é uma pessoa urbana, ecologista, idealista, arrogante. Seria por fim um misto dos yuppies dos anos 1980 e da contra cultura dos anos 1960-70. Mas em francês ele já aparece na virada do século XIX para o XX, mas como definição de uma burguesia despreocupada e viciada na vida noturna de Paris e que foi resignificado nos anos 1990-2000 como uma atitude que misturava egocentrismo libertário, ceticismo risonho e consumismo frenético com alguns toques de ecologismo e compassividade

Seja como for, saber o que as palavras significam exige atenção não só nelas em si, mas também nas intencionalidades daquilo que elas designam, afinal “nomear é dar vida”.

Referências:

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