Robo humanoide com olhos azuis

A IA é sempre um problema ou a solução para qualquer questão?

Nos últimos tempos um grande assunto na mídia (qualquer uma, rádio, TV, jornais, podcasts, redes sociais) foi a ascensão meteórica da inteligência artificial como um agente de produção em vários níveis e meios: imagens, textos, sons e uma infinidade de produtos que tem aparecido usando a interação homem-máquina como ponto de partida.

Diante do espanto de muitos sobre a capacidade da máquina de produzir informações a partir de uma longa base de dados, lembro-me da afirmação de um bom amigo meu que, uns 4 anos atrás, afirmava categoricamente “não existir inteligência artificial, pois ela era limitada sempre pela inteligência natural”. Na visão dele, por mais capaz que uma máquina fosse de responder às demandas, ela sempre dependia de uma primeira instrução introduzida pelo homem, esse ser atômico e não-binário de modo geral.

Seu argumento ainda hoje faz sentido, pois ainda é sobre bases de dados criadas majoritariamente sob demanda humana que a AI gera suas respostas e, ainda hoje, ela requisita que o humano, ao receber o output da requisição, faça uma avaliação de quanto aquela informação está acertada com o mundo a sua volta e atendeu a demanda do usuário. Bem, sabemos que isso possibilita a retroalimentação do sistema, o que dá alguma independência ao sistema, mas ainda é o humano que diz o que vale ou não nesse universo de conhecimento. Considerando a quantidade de gente que acredita nas coisas mais estapafúrdias e considerando o alerta que certas AI podem “alucinar” (definição da “capacidade” dessas entidades informáticas de gerar respostas sabidamente incoerentes com a base de dados por não poder reportar a falta de informações – ou seja: mentir), questiono a qualidade final da informação, já que, como diz um velho ditado (adaptado para essa situação): “todo dia saem de casa um crédulo e uma AI alucinada. As vezes eles se encontram e validam as respostas um do outro”1. Nesse prisma, entendo que a curadoria dessa base de informações vai ser tão importante quanto a rapidez da obtenção da mesma.

Ao mesmo tempo que começamos a tomar pé dessa situação, descobrindo que músicas, noticiários de grandes redes de comunicação e até mesmo artigos científicos estão sendo feitos por ferramentas de interação e resposta mediada por AI. Percebemos então que mais e mais temos que encarar “um novo ente no parlamento” como deixa bem claro na sua provocação Maximo de Fellice.

Então podemos refletir sobre algumas matérias no mínimo curiosas que temos nesses dias em um grande jornal brasileiro: empresários, especialmente do setor de tecnologia e que defendem jornadas de 80 horas semanas (ou seja: 16 hr diárias de tripalio, #saudade #primeirarevoluçãoindustrial), reclamam como tendo sido um erro a opção por adotar em doses bastante altas o trabalho remoto. Por um lado, uma das alegações é que os funcionários podem ser contratados por várias empresas ao mesmo tempo e estão procurando usar a AI para completar rapidamente as tarefas designadas a eles, sendo assim uma espécie de “falta de lealdade” com a empresa que espera a criatividade dessas pessoas, além de que existiria um enfraquecimento da capacidade de inovação dessas empresas pela falta de interação entre os funcionários, ou no dialeto deles, colaboradores. Por outro lado um artigo de opinião alerta para perda jornalística que é o home office. Pode parecer tudo muito encaixado e planejado, mas penso que são facetas diversas de uma sociedade que mudou e que precisa lidar com isso. E tudo isso tem um denominador comum: o fator humano.

Se os chefes das “big techs” tem se preocupado com a perda da capacidade de rendimento e criatividade com o uso das AI (por vezes geradas por eles próprios), é por que, na minha humilde opinião, o custo financeiro de implementar essas tecnologias deve ser mais alto do que manter bons quadros humanos e técnicos nesses mesmos espaços. Aqueles que lidam diretamente com o dinheiro assumem a velha máxima de que para gerar mais lucro é preciso ter menos custo. Pensar nesse discurso de que a adoção do trabalho remoto e da inteligencia artificial tem sido ruim para os negócios é andar na contramão da proposta de uma “sociedade dos lazeres” que, em ultima instância, a adoção da tecnologia permitiria (a não ser que lhe pareça desejável estar envolvido ¾ das 24 horas cotidianas do seu tempo com algo que não necessariamente gere valor e prazer para você mesmo, e sim para um outro que usufrui daquilo que surge do seu trabalho).

Já a mesma preocupação – o uso da inteligência artificial para gerar produtos e o esvaziamento dos espaços com a adoção generalizada do trabalho remoto – é apresentada em um artigo de opinião (traduzido) de uma jornalista do The New York Post, apontando sobre como o isolamento que os profissionais da comunicação afeta especialmente a vivência e a construção da “mistica” e do cenário de trabalho, assim como das próprias histórias narradas nos meios de comunicação, desfazendo os laços e enfraquecendo toda uma teia de aprendizagem que apenas na convivência com outros indivíduos, intrinsecamente diferentes, pode ser obtida. Se as big techs veem o problema como uma questão monetária, essa jornalista aponta para a questão vivencial. A troca de ideias, as “desconferências” pós-reuniões, as fofocas (sim, elas também tem um papel importante na construção das redes de contatos e de conhecimento) e o assistir certos acontecimentos por trás da produção noticiosa podem fomentar a aprendizagem e transformações que moldam os indivíduos e as histórias que eles narram.

A perda que ela aponta é crucial para o desenvolvimento do indivíduo/profissional, seja pela construção das relações, do modo de fazer (ver alguém fazendo seu trabalho permite que a gente emule o que dá certo, pense em como otimizar aquilo que não parece bom e evite [presume-se] as ações problemáticas) ou mesmo pela elaboração da percepção do outro. Ela finaliza apontando que muitos “novatos” não gostam de ligar para as fontes – nome que se dá no jornalismo e também na pesquisa social [história, geografia, sociologia, antropologia…] aos informantes, entrevistados e pessoas que podem dizer algo para você sobre o assunto – e preferem fazer entrevistas escritas por e-mail, por exemplo. Isso, na opinião dela – e eu concordo – enfraquece a escrita, pois na elaboração doo texto não tem mais o silêncio, o ato falho ou a frase de efeito, já que a pessoa pode pensar e medir como vai funcionar o que ela está afirmando ou melhorar suas negativas de algo que ela não quer que se torne público.

Esse texto não tem a função de encontrar uma solução ou uma proposta de ação para o tema (bem ao gosto dos “elaboradores de redações nota 1000” e outros técnicos da escrita eficiente e bem-sucedida), mas gosto de pensar que ainda tem muito assunto para se discutir sobre a Inteligência Artificial no nosso cotidiano e que nem sempre questões iguais têm argumentos, motivações e soluções iguais. E aí que está o tempero humano da coisa toda. Vocês concordam? Ou podemos aplicar a métrica da reflexão da jornalista no caso das big techs e vice-versa? Deixo a palavra com vocês (e não vale usar o ChatGPT)

1No caso, o ditado original é: “Todo dia saem de casa um esperto e um otário. De vez em quando dá negócio”, ou seja: sempre aparece alguém que pode acreditar na conversa de um golpista e, por isso, se tornar uma vítima dele.

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