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A anticampanha na história da política brasileira

A sensação de não representação que percebemos muito aflorada hoje nas conversas e declarações cotidianas na verdade não é algo novo. A participação política que podemos dizer que o é. Isso por que o atual momento é o que a mais tempo temos um sistema estável, sem interrupções ou rupturas institucionais.

A anticampanha (e coisas relacionadas a isso, como a figura do anticandidato) teve papel fundamental para a consolidação de um caminho que, grosso modo, possibilitou a chegada ao sistema atual, onde as regras são estabelecidas e, pelo menos formalmente, respeitadas (obviamente com os candidatos e partidos aproveitando-se das brechas convenientemente existentes na lei). A principal figura do cenário político que fez uma “anticandidatura” foi o já falecido Ulisses Guimarães, durante o período do regime militar. Naquele momento, as “eleições” para presidência eram executadas pelo Congresso Nacional. Ele recebia a indicação do “candidato” que tinha sido escolhido pela cúpula da administração militar e, convertido em Colégio Eleitoral, amarrado por uma lei de fidelidade que impedia votos destoantes da orientação da liderança partidária, outorgava ao indicado o cargo de Presidente. O máximo de campanha eleitoral que se via então era a movimentação interna no partido da situação – a ARENA – pela obtenção da indicação/bênção do pleiteante ao cargo pelos mais altos generais da hierarquia das 3 forças.
Ulisses e parte da oposição legalizada da época (por diversos motivos a cúpula do regime procurava manter uma aparente democracia, com alternância de indivíduos na cadeira da presidência e eleições diretas para alguns cargos e em alguns lugares do país, reduzida ainda mais depois desse episódio) aproveitaram a movimentação pela indicação do sucessor para o presidente-general Médici para fazer sua própria campanha, como se fosse candidato efetivo ao cargo. Saíram então pelo pais realizando diálogos e questionamentos sobre o regime e suas praticas políticas e econômicas.
Essa anticampanha mobilizou diversas forças de oposição de norte a sul do país, mesmo com a desconfiança de muitos, por ser o MDB representante de uma oposição tolerada pelo regime, e chamou a atenção de parte da população que se aproximou das questões levantadas nas reuniões e “comícios” dessa jornada.
Mesmo sendo figuras publicas reconhecidas, Ulisses e seu “vice”, o presidente da ABI Barbosa Lima Sobrinho, tiveram impedimentos explícitos a sua campanha, mesmo sendo numa das épocas mas duras da repressão.
Por fim, foi indicado ao governo o general Ernesto Geisel, mas a anticampanha alcançou seu objetivo: fomentou questionamentos dos indivíduos sobre os rumos do processo político de então. Mas o resultado mais palpável dessa movimentação veio na eleição seguinte, no mesmo ano de 1974, quando nas eleições – essas diretas – para deputado federal e senador, nas quais o MDB acabou por ocupar a maioria do Senado (16 de 21 cadeiras) e aumentou o numero de deputados federais, chegando a 160 cadeiras e de governadores, elegendo 15 (como resposta, em 1977 o regime militar criou a figura do “senador biônico”, uma terceira vaga no Senado que era ocupada sem a necessidade de voto. Essa vaga existe até hoje, mas hoje também passa pela peneira (?) do voto popular, além de impedir o voto para prefeito em diversas cidades e nas capitais estaduais).
Houveram outros episódios de “campanhas de protesto”, como as do rinoceronte Cacareco em São Paulo na década de 1950 e a do macaco Tião no Rio de Janeiro, já nos anos 1980, a primeira para vereador, a segunda para prefeito. Mas elas tiveram um viés diferente daquela protagonizada pelo “Senhor Diretas”, pois ele movimentou-se no sentido da discussão e da reflexão sobre a situação dada (e que por fim gerou uma massa crítica envolvida com as demandas apresentadas então), ao passo que as candidaturas de animais foram mais no sentido de catalisar o incomodo da população com uma situação pontual ou com práticas especificas dos administradores de momento das cidades
O momento atual da política nacional, nas 3 esferas, mostra-se quase como uma “tempestade perfeita” para o surgimento de ambos os movimentos, desde de candidaturas de pilera, as quais podem fornecer a cena politica desde novos Tiriricas até outros Bolsonaros, Cunhas e Felicianos, até anticandidaturas que fomentem duvidas no “coro dos contente” e mostre as maneiras que os cidadãos podem interferir como grupo de pressão sobre seus “representantes”. Cabe entao descobrir quem, ou que grupo, conseguirá levar esse processo, desgastante por não estar relacionado à um objetivo de curto prazo – uma eleição – e cansativo por ser, no fundo, de formação e informação, o que demanda uma energia colossal na execução e uma tranquilidade igualmente grande para “colher” resultados as vezes depois de um longo período de semeadura.
Será que estamos dispostos a realmente mexer com as estruturas do sistema, ou apenas dar uma “mão de tinta” numa velha casa que pede por demolição, pois é insalubre e põe em risco aqueles que nela se abrigam?
Referências Bibliográficas:
ARNOLFO, J. A anticandidatura de Ulysses e o colégio eleitoral. Rádio Câmara: Brasília. 23/03/2015. Disponivel em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/483954-A-ANTICANDIDATURA-DE-ULYSSES-E-O-COLEGIO-ELEITORAL—BLOCO-2.html
DELGADO, T. A história de um rebelde. Brasília: Fundação Ulisses Guimarães, 2006. Acessado em 08/10/2015. Disponivel em: http://www.fugpmdb.org.br/novo/downloads/bibliotecas/biblioteca000018.pdf
MORENO, J. B. A história de Mora: anticandidatura movida a poesia. Jornal O Globo: Rio de Janeiro. 21/04/2012. Disponivel em http://oglobo.globo.com/brasil/a-historia-de-mora-anticandidatura-movida-poesia-4707762
O ESTADO DE S. PAULO. No regime militar, Ulysses foi anticandidato em antieleição. Jornal O Estado de S. Paulo. 30/10/2010. DisponivelMais:http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,no-regime-militar-ulysses-foi-anticandidato-em-antieleicao-imp-,632044
R7 NOTÍCIAS. Quando São Paulo elegeu um rinoceronte. R7 Notícias. 07/12/2009. Disponivel em http://noticias.r7.com/esquisitices/noticias/quando-sao-paulo-elegeu-um-rinoceronte-20091204.html
ÚLTIMO SEGUNDO. Cacareco, macaco Tião e prefeito mosquito: voto de protesto na cédula de papel. IG: São Paulo. 22/09/2014. Disponivel em http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-09-22/cacareco-macaco-tiao-e-prefeito-mosquito-voto-de-protesto-na-cedula-de-papel.html

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