Pequenas (e inócuas?) revoltas
Se tem um espaço na cidade onde a posibilidade de conflito é latente, ele é o trânsito. E no trânsito, o transporte coletivo é uma especie de “barril de pólvora móvel”.
A cada aumento de tarifa, nós vemos dois movimentos complementares. Um de revolta, outro de aceitação, resignação e sublimação. Digo que os dois são complementares pois atendem um fim maior, um plano que engloba diversos espaços, indivíduos e ações. Pretendo escrever especificamente sobre isso n’outra oportunidade. Por ora, fico na revolta.
No universo do transporte publico, as revoltas são curiosas e, penso eu, pouco efetivas.
Quando aumenta a passagem, vemos manifestações, bloqueios e o surgimento de “lideranças efemeras”. Os ânimos exaltam-se e os manifestantes se transformam em turba, desaguando o movimento em quebra-quebra e fazendo com que os usuários que não se envolvem na ação a questionem. Com um senso de propriedade bem trabalhado por diversos meios (noticiários, formadores de opinião como religiosos, professores e jornalistas, teorias simplificadoras e explicadoras do mundo e, por fim, a geléia geral da internet, com seu cardápio de opiniões a la carte), esses usuários não se sentem representados por esses movimentos “contestadores”. Devidamente manipulados, os medos dos trabalhadores de perderem o emprego tornam-se esteio para discursos muito apropriados para os empresários, onde o empregado passa a defender as ações dos patrões, conectando o lucro do empregador ao aumento de receitas e essa à manutenção de seus postos (ignorando – muito convenientemente para os empresários – que normalmente as empresas de ônibus fazem grande reduções de custos antes de refletir sobre as margens de lucros).
Quando cessado esse “grande movimento”, obsrvamos aqui e ali as pequenas revoltas. O grande nó é que essas pequenas contestações necessitam sacrificios que, quando olhados no conjunto das ações são pequenos, mas quando vistos na individualidade dos sacrificados éele são deveras grandes. O pula-catraca seria exemplo de um desses “momento de contestação”. O motorista que, como ouvi de um passageiro depois de um entreveiro entre puladores de catraca e o motorista, não tem obrigação de cobrar passagens e então não deveria se preocupar com quem não as paga. Apesar de coerente, a lógica tem furos, pois a empresa “se dá o direito” de demitir o motorista, por justa causa, caso ele não coiba o pulo. Pulo individual, sejamos especificos, pois quando são muitos, o motorista mesmo se sente impotente e põe em avaliação se vale mais a integridade física ou o emprego.
Nesse cenário cabe então perguntar se realmente o sacrificio é tão pequeno assim e se essa ação realmente tem poder afetar quem realmente deve ser atingido, o empresário, se é uma mera “sofa-militância” mais sofisticada ou o simples uso que uma pauta legitima para mostrar-se como um individuo centrado em si mesmo, tirando proveito até mesmo sem saber bem do que, e ao custo de que.
Motoristas e usuários devem pensar em soluções mais inteligentes, pois ambos estão do mesmo lado dessa questão e, mesmo que não pareça, as ações que hoje cada um desses grupos implementa para questionar “o sistema”, essa coisa sem rosto que acaba sendo o “culpado ideal” por tudo de “ruim que está por aí”, faz apenas fortalecer o argumento empresarial de que precisam de maiores entradas de dinheiro para manter o sistema funcionando. Pessimamente, como só quem está nele, seja como usuário ou como empregado, sabe, sem questionar como essa estrutura verdadeiramente funciona.
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