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Temos uma festa aqui p’ra que mesmo?

Hoje qualquer um tem em seu poder uma máquina fotográfica. Seja num celular ou
num equipamento autônomo, elas estão nas mãos de muitos, captando e
eternizando momentos efêmeros e relegando ao esquecimento imagens contundentes
que ficam escondidas em mídias e bits, dentro de pastas e subpastas, com nomes
sequências e pouco significantes.
Diante essa enxurrada de informações que são despejadas dentro dos
computadores e em redes sociais onde compartilhamos tais informações muitas
vezes para serem apreciadas num segundo e, no segundo seguinte, serem
esquecidas no labirinto de bits de nossas memórias auxiliares, às vezes
podemos nos surpreender diante de algo inusitado ou angustiantemente antigo,
apesar de nos atingir na cara com o frescor do evento recém ocorrido.
Dia desses estive diante de uma revelação dessas: ao rever fotos de um festejo
natalino de rua, apreciava as cores dos enfeites e das luzes que brilhavam
formando belas formas na imagem armazenada no disco rígido de meu computador.
Via a multidão que estava ali eternizada, também a registar o que via com suas
próteses oculares, podendo olhar desinteressadamente por tudo aquilo que,
ainda que estivesse ali, não tinha sido eleito para fazer parte de toda a
beleza do "Natal de Rua mais iluminado da Historia" e que, só depois do
"clic", no conforto do seu lar, seria objeto de reflexão sobre a volatilidade
daquilo que captou.
Meus olhos passeavam descomprometidamente pela imagem, vendo roupas,
decorações, luzes e, vez por outra, alguma pessoa mais expressiva.
Tudo que ali estava parecia gritar: "Isso é Natal!", "Aprecie isso!", "Olhe
essa vitrine!", "Temos mais espirito de natal aqui!". De repente, como que por
um descuido – e talvez tenha sido mesmo – estremeci ao decodificar uma parte
da imagem fotográfica ali registrada: sentado, quase desaparecido entre as
pernas dos transeuntes estava um homem. No chão da principal avenida da
cidade, quase sob uma grande caixa vermelha que ladeava um sorridente,
bonachão e repetitivo Papai Noel mecânico.
Diferente das luzes e dos bonecos, ninguém via aquele homem. Aquele homem que
não olhava ninguém, pois olhava para a câmera que captou sua imagem sem que
isso resultasse em alguma reação.
Aquele homem estava ali, capturado pela câmera fotográfica que buscava, na
verdade, qualquer coisa que apagasse sua presença da memória.
E agora que ele foi percebido, talvez ele esteja na verdade apagado a
existência, esquecido dentro de um compartimento cujo a única identificação
que o diferencia dos outros talvez seja um numero sequencial dentro da "grande
pasta raiz" chamada "Campo da Saudade".
Esse natal de luzes e consumo, onde "Papais Noéis" mecânicos duram na mente
das pessoas tanto quanto o porque quê se compra o presente para dá-lo a alguém
numa noite especifica. Aquele homem capturado, mesmo que esquecido, faz parte
dessa festa. Mas não é visto. Como o próprio motivo da festa, fica escondido.
Que festa era essa mesmo?

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