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Que festa era essa mesmo?

{Repeteco de um texto de 2011}
Hoje qualquer um tem em seu poder uma máquina fotográfica. Seja num celular ou num equipamento autônomo, elas estão nas mãos de muitos, captando e eternizando momentos efêmeros e relegando ao esquecimento imagens contundentes que ficam escondidas em mídias e bits, dentro de pastas e subpastas, com nomes sequenciais e pouco significantes.
Diante essa enxurrada de informações que são despejadas dentro dos computadores e em redes sociais onde compartilhamos tais informações muitas vezes para serem apreciadas num segundo e, no segundo seguinte, serem esquecidas no labirinto de bits de nossas memórias auxiliares, às vezes podemos nos surpreender diante de algo inusitado ou angustiantemente antigo, apesar de nos atingir na cara com o frescor do evento recém ocorrido.
Dia desses estive diante de uma revelação dessas: ao rever fotos de um festejo natalino de rua, apreciava as cores dos enfeites e das luzes que brilhavam formando belas imagens armazenada no disco rígido de meu computador. Via a multidão que estava ali eternizada, também a registrar o que via com suas próteses oculares, podendo olhar desinteressadamente por tudo aquilo que, ainda que estivesse ali, não tinha sido eleito para fazer parte de toda a beleza do “Natal de Rua mais iluminado da Historia” e que, só depois do “clic”, no conforto do seu lar, seria objeto de reflexão sobre a volatilidade daquilo que captou.
Meus olhos passeavam descomprometidamente pelas imagens, vendo roupas, decorações, luzes e, vez por outra, alguma pessoa mais expressiva.
Tudo que ali estava parecia gritar: “Isso é Natal!”, “Aprecie isso!”, “Olhe essa vitrine!”, “Temos mais espírito de natal aqui!”. De repente, como que por um descuido – e talvez tenha sido mesmo – estremeci ao decodificar uma parte da imagem fotográfica ali registrada: sentado, quase desaparecido entre as pernas dos transeuntes estava um homem. No chão da principal avenida da cidade, quase sob uma grande caixa vermelha que ladeava um sorridente, bonachão e repetitivo Papai Noel mecânico.
Diferente das luzes e dos bonecos, ninguém via aquele homem. Aquele homem que não olhava ninguém, pois olhava para a câmera que captou sua imagem sem que isso resultasse em alguma reação.
Aquele homem estava ali, capturado pela câmera fotográfica que buscava, na verdade, qualquer coisa que apagasse sua presença da memória.
E agora que ele foi percebido, talvez ele esteja na verdade apagado da existência, esquecido dentro de um compartimento cujo a única identificação que o diferencia dos outros talvez seja um numero sequencial dentro da “grande pasta raiz” chamada “Campo da Saudade”.
Esse natal de luzes e consumo, onde “Papais Noéis” mecânicos duram na mente das pessoas tanto quanto o porque quê se compra o presente para dá-lo a alguém numa noite especifica. Aquele homem capturado, mesmo que esquecido, faz parte dessa festa. Mas não é visto. Como o próprio motivo da festa, fica escondido. Que festa era essa mesmo?

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