Explicadores do Brasil
A internet tem majorado um fenômeno que deve ser levado em conta por qualquer um que busque refletir sobre a importância da construção de um “mundo compreensivo” por parte das pessoas, brasileiros em particular: os explicadores de tudo.
A ciência social brasileira é permeada, desde seus primórdios, de trabalhos que recebem o rótulo de “intérpretes do Brasil”. Médicos, engenheiros, músicos, diplomatas, antropólogos, advogados e, pasmem, até historiadores e geógrafos produziram textos nos quais eles se preocupam em traçar elementos que permitam aos leitores desvendar esse moinho de ideias, gentes e fazeres chamado Brasil.
Muitos desses autores eram lidos, discutidos e geraram reflexões dentro das academias. As universidades produziram toneladas de textos, conceitos, discursos e palestras sobre o Brasil. Vez por outra, algum intelectual – ou muito badalado, ou execrado pelos pares – rompeu a bolha da “torre de marfim” da universidade e dirigiu sua fala para outros ouvidos.
Eles caminham com conceitos desenvolvidos por teóricos estrangeiros (ou não), que deixam claro o poder da informação, a necessidade da crítica sobre aquilo que já estava consolidado no “senso comum” e a possibilidade de questionamento sobre “a tese” que outrem havia exposto anteriormente, num projeto progressista e “moderno” de derrubar o “velho saber”, por um novo, limpo, reelaborado e, de preferência, que seja “antenado” com a atualidade.
Um meio como a internet para difundir ideias criou um novo cenário para esses “interpretadores do Brasil” e para sua audiência. Agora não apenas aqueles que estavam nos gabinetes ou que tinham acesso à impressão de livros e as emissões de rádio e TV poderiam discutir “o que é o Brasil”. Também seus ouvintes ganharam espaço, replicando, difundindo e criando novas versões daquilo que veem no seu dia a dia, cruzando isso com certos conceitos palatáveis e compreensíveis (ou pretensamente compreensíveis). Passamos de uma nação que ouvia os “interpretadores” para uma nação cheia de “explicadores”. Todos passaram a ter conceitos, ideias, propostas, enfim, explicações sobre “como o Brasil é” e o que “deve ser feito para o Brasil ser outro”.
Nesse sentido, criam-se narrativas e conceitos para tudo, de culinária tradicional à reforma política, de etimologia à ritualística e simbologia religiosa ou musical. E muitas vezes tais “explicadores” concatenam as ideias de um modo “direto, simples e compreensivo”, mas superficial, falho e diverso do rigor que é necessário para compreender o fazer humano sem cair em simplificações e generalizações que, em geral causam mais confusão, já que fortalecem justamente conceitos estereotipados, na base do “eu acho” ou de associações livres, mas sem profundidade teórica.
Tal cenário tem causado uma coisa ao mesmo tempo curiosa e assombrosa. Curiosa por que se vê pessoas diversas expondo ideias e conceitos diversos, trazendo a luz autores e teorias múltiplas – seja de forma direta ou seja de forma indireta – que complexificam ainda mais a construção de um retrato sobre essas “terras de Vera Cruz”. O assombroso disso tudo é que um segundo ponto da discussão intelectual simplesmente tem sido deixado de lado: a recepção de criticas e a reelaboração da “tese” quando diante da exposição de suas fraquezas. Todo texto é lacrador e definitivo. Incontestavelmente definitivo. E isso não possibilita o desenvolvimento de narrativas mais amplas e que contemplem mais variáveis (algo que garante as ciências humanas sua principal característica: a mutabilidade possibilitada pelo objeto de estudo – em ultima instância, o homem).
Se não exercitarmos a nossa capacidade de ouvir e de raciocinar sobre o que ouvimos e falamos, corremos o sério risco de nos tornarmos uma sociedade cheia de certezas para casos pessoais, e plena de ditadores de esquina.
Esse texto é uma provocação a mais, não uma analise definitiva. E nesse sentido, ele não é uma explicação do mundo ao redor, no máximo uma reprodução de um pedacinho, instigando uma interpretação possível.
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